Educação

PLURAL: os textos de Neila Baldi e Juliana Petermann

  • Contigo aprendi
    Neila Baldi
    Professora universitária

    Minha alma de artista não me permite viver sem música. O título deste artigo é o de um bolero. Meu pai ouvia-o muito no início da pandemia. Enquanto escrevo, penso em tudo o que com ele aprendi. Meu Papi deixou este plano no último dia 7. Não tenho como falar de outro tema agora.

    Perguntei a uma amiga, que já perdeu o pai, como se sentiu na ocasião: como uma criança, órfã. Tem sido assim comigo. Há dias que caio no choro e pergunto: Por quê? Sem saber o que redigir, lembrei do texto que escrevi no Natal de 2020. Naquela ocasião, o Papi estava hospitalizado, mais uma vez, por problemas cardíacos. Escrevi o seguinte:

    EU TENHO MEDO QUE NÃO VOLTES

    A primeira vez foi um susto. O telefone tocou à noite. A notícia veio direta, sem rodeios. Desliguei o telefone e caí no choro. Fiquei como barata tonta: o que faço?

    De repente, estávamos todos lá. A família inteira. Filhos e filhas, irmãs, sobrinhos e sobrinhas. A festa foi cancelada. Mas a reunião estava garantida, em outro lugar. Foi só um susto.

    Os sustos costumam fazer a gente rever nossas vidas - geralmente para quem os leva. Mas o tempo passa e a gente cai na rotina. E às vezes as mudanças são esquecidas e voltamos para os velhos hábitos... Precisamos de outros sustos. Como os gatos, que têm sete vidas.

    A segunda vez eu estava longe demais das capitais. Não tinha o que fazer, não tinha como estar perto. Depois dela, as idas começaram a ser mais frequentes. E as voltas, mais demoradas.

    Sempre que tu vais, eu tenho medo que não voltes. Lembro de uma das vezes ficar contigo dias a fio. E ao voltar para casa, só, lembrar daquela canção: "Naquela mesa, está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim." E fiquei a imaginar como seria o dia em que tu não voltasses.

    Tem dias que fico a pensar quando será a próxima ida. Tem dias que penso que ela não vai haver. E me pego a cantarolar aquela canção da saudade; ou a outra que diz: "Nunca pensei um dia chegar e te ouvir dizer, não é por mal, mas vou te fazer chorar."

    REFAZER

    Não estamos preparadas para a morte. Mas perder um pai ou mãe é a ordem natural da vida, né? Ciente disso, voltei pro Rio Grande do Sul em 2016. Estava na hora de estar perto. Por quanto tempo mais? Não sabia.

    O trabalho remoto permitiu que eu estivesse, nos últimos dois anos, em Porto Alegre, cuidando da mãe e, assim, podendo ver meu pai com mais frequência.

    Eu o vi pessoalmente uma semana antes da morte, quando saímos para passear. Não teve hospital, não teve despedida, morreu em casa, sem aviso prévio.

    Enquanto tento me refazer e voltar a falar de Educação, "eu canto para aliviar o pranto que ameaça..."

    Uma questão de alfabetização
    Juliana Petermann
    Professora universitária

    "Elas são fáceis porque são pobres"; "elas hoje estão praticamente integradas à sociedade"; "mulheres que têm o prazer de escolher a cor da unha"; "não tem esse negócio de ensinar: você nasceu homem, pode ser mulher". Sim, já passou algum tempo desde que essas frases foram ditas. Mas até mesmo porque elas foram ditas, eu não tenho como não falar sobre 8 de março. Minha perspectiva aqui é de discutir essa data e, consequentemente, as questões de gênero como uma demanda do ensino, de alfabetização mesmo.

    O QUE É?

    O dia 8 de março, antes de ser uma comemoração, é um dia histórico da luta e da força revolucionária das mulheres trabalhadoras. Um marco daquilo que conquistamos a duras penas ao longo da história: direitos trabalhistas, direito ao voto. Conquistas importantes, mas não definitivas. Relatórios da ONU confirmam o que pode ser facilmente deduzido: em situações de conflito, os direitos das mulheres e das crianças são os alvos mais fáceis. 

    Nem vamos tão longe. Em sociedades como a nossa, a brasileira, de democracias frágeis e carentes de políticas de gênero, nós, mulheres, ainda somos mortas pelo fato de sermos mulheres. Dados dos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão apontam que 30% das mulheres, ou o equivalente a 25,7 milhões de brasileiras, dizem já terem sido ameaçadas de morte por companheiros. Entre elas, 1 em cada 6, ou 16% das brasileiras, já sofreu tentativa de feminicídio. No ano passado, o Brasil registrou um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas.

    DESEDUCA

    Diante de um quadro tão grave de violação de direitos, o papel do Estado deveria ser de educar. A começar pelos princípios, que parecem óbvios, mas que, infelizmente, não são: de que somos seres humanos, assim como os homens são; que não somos propriedades e somos livres; que temos o direito de trabalhar - ocupando, inclusive, cargos de liderança - mas também de descansar; que não podemos ser violadas, violentadas, assediadas, agredidas, humilhadas. Tem tanto beabá para ensinar? 

    Mas o que faz o Estado e os homens nos cargos públicos de maior poder? Eu tenho a impressão que, ao mesmo tempo em que a gente avança alguns passos, a gente retrocede muitos outros e o dia 8 acaba sendo um espelho desses retrocessos. 

    Até mesmo porque parece que nesse dia dói mais na gente. Fica ainda mais discrepante o que a data deveria ser e o que acaba sendo. E essa diferença parece estar calcada justamente na carência de políticas públicas, incluindo o tanto que precisamos aprender sobre e sobre o quanto precisamos melhorar enquanto sociedade.


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